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segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Não se perdeu a música, perdeu-se a sua dignidade!

Às vezes eu fico pensando. Não sei se você gostaria de estar vivo agora, meu Maria, depois de 1964. Tudo piorou muito, o governo, o meu caráter, a música. Agora só se faz música para Festival e perdeu-se aquela criatividade boa e gratuita da década de 50. Todo mundo faz música com objetivo: comprar apartamento, ter um carrinho, ganhar popularidade, dobrar o cachê, vencer Festival, namorar as moças, bater papo furado. Isso não quer dizer que os caras não sejam ótimos compositores: eles o são. Mas tudo é feito num espírito muito toma-lá-da-cá, cada-um-por-si-e-Deus-por-todos. Assim, a meu ver, perde a graça. Aliás, não é culpa deles. Em absoluto. É o "esquema", como está em moda falar. Eles têm que estar na onda, senão não tem apartamento, não tem carro, não tem cachê, não tem Festival, o papo micha e as moças não dão. Ficam, por assim dizer, marginalizados, e aí nem o "Globo" nem a "Record" querem nada com os infelizes. Em resumo, meu Maria, não se perdeu a música; perdeu-se a sua dignidade.


Vinicius de Moraes, 1968, "ORAÇÃO PARA ANTONIO MARIA, PECADOR E MÁRTIR"

Não só os músicos Vinicius, não só eles!
Ana Laura

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