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terça-feira, 29 de setembro de 2009

DIGRESSÃO


Todas as manhãs, sol já colocado no céu. Maria vai à praça, traçar suas pegadas em linhas circulares que chamava de trilha. Caminhada, caminhada, era o conselho do médico para a saúde. Cinco voltas eram necessárias para acreditar que o vigor, a saúde e a força voltariam. A beleza era o de menos, mas não faria nenhum mal.
Já na primeira volta ela repassava aquilo que não poderia esquecer: colocar a roupa na máquina, passar o punhado que estava na cadeira, escolher o feijão e, claro, o banho. Na segunda lembrava-se da casinha simples que viu construir e que acolheu a sua família. Lembrava então, das três lindas meninas, que agora mulheres, cada uma com um destino diferente. Um de saudade eterna, outro de professora letrada e letradora e a outra, tão parecida: casada cedo, mãe e dona de casa.
Lembrou do marido belo da juventude, da simplicidade do namoro, dos sapatos, dos vestidos domingueiros com pregas, dos sorrisos daquela época. Já estava na quarta volta e não se esqueceu da época da inocência que viveu bobo momento de se apaixonar, laços, fitas e prendas.
Na última volta já com olhos lançados no passado. Lembrou-se do ciúme paterno com o namoro e da teimosia do marido. Da dificuldade na infância, dos afazeres domésticos em suas mãos pequenas e desajeitadas. Lembrou da rudeza da mãe, do olhar triste para os filhos, dos remédios ruins de vermes e da beleza de um sertão.
O médico tinha razão, o coração ficava forte, belo e robusto no peito de Maria no final.


Ana Laura.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Canção do dia de sempre

Canção do dia de sempre

Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,

Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...
Mario Quintana

Foto de Eduardo dos Santos, Cambé-PR, divulgada pelo Jornal de Londrina

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Rodoviárias da vida

Nada como ficar tempo suficiente esperando um ônibus para se refletir nas rodoviárias e sua dinâmica.
Tem sempre a moça bonitona de "seios fartos" tentando carregar a mala gigantesca e nenhum condenado para ajudar! Não que só a mulher bonita deva ser ajudada, mas homem não entende mais de cavalheirismo, não é porque colocaram rodas nas malas que elas se tornaram leves e práticas. Tudo bem, não é porque colocaram enchimento no sutiã que nos tornamos a Central para Ações Caridosas! Brincadeira amigas dos sutiãs queimados!
Tem sempre alguém que senta no meio do banco, desconvidando qualquer um que pretenda dividir o "espaço ao sol!"
Tem sempre, tem vários, quase todos, perdidos sem saber plataformas, onde vai, onde fica. Pede informações e só perde a insegurança dentro do ônibus e sentado já na poltrona. Dá para observar o alívio dos rostos pelas janelas.
O bêbado está sempre lá cantando. Hoje escutei a versão mais cômica de Malandragem: "Quem sabe ainda sou uma garotinha, com a meia três quartos eu pego meu carro e mudo uma planta de lugar. " Fiquei imaginando como fazia sentido a equação: bêbado, meia três quartos e um carro, claro que ele poderia mudar uma planta de lugar: uma árvore talvez!
O pedinte é figura carimbada. As moedinhas para ajuntar e comprar a passagem para ver a mãe doente, para re-encontrar a família... os papéis com as histórias de tristeza, e, para os mais desesperados só resta mostrar os machucados e doenças. Tem também os que vendem poesias, estes eu sempre ajudo, se bem que nunca encontrei "a poesia", continuo a procurar um poeta de rodoviaria, cansado das Editoras Capitalistas e pronto para demonstrar seu dom...risos...
Tem as situações atuais: a cada espirro de alguém, muitos param de respirar por causa da Gripe Porcina!
Sempre tem o carinha com o óculos escuro, com fones no ouvido e mandando mensagem no celular. Morro de vontade de gritar: Em que mundo você vive? Mas acho que ele não se importaria. Bom, ema..ema...ema...cada um com seus dilemas!
Tem a pessoa que perde o ônibus e todo mundo fica compadecido. Put's é uma dor socializada...
Tem as crianças sorridentes que querem conversar, sorrir e nos fazer acreditar que vale a pena lutar pelo futuro.
Tem as pessoas que arrumam qualquer pretexto para puxar um papo, te tocar e dizer pelo menos: Nossa vai chover hoje, o ônibus tá atrasado, que calor, gente! Estas são as minhas prediletas.
Por ultimo e não inesquecível. Tem pessoas que cortam a fila do ônibus para embarcar....nestes momentos a turba vai ao delírio e grita: Sai daí, fura fila. Sem respeito. Tem que esperar como todos, ninguém é melhor que ninguém....e Ana Laura vai ao climax da felicidade, como é bom perceber que ainda conseguimos fazer barulho!

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Ai, que saudade D'ocê!

Feliz aniversário Tate.




É o Que Me Interessa Lenine

Daqui desse momento
Do meu olhar pra fora
O mundo é só miragem
A sombra do futuro
A sobra do passado
Assombram a paisagem.
Quem vai virar o jogo
E transformar a perda
Em nossa recompensa
Quando eu olhar pro lado
Eu quero estar cercado
Só de quem me interessa.

Às vezes é um instante
A tarde faz silêncio
O vento sopra a meu favor
Às vezes eu pressinto e é como uma saudade
De um tempo que ainda não passou
Me traz o seu sossego
Atrasa o meu relógio
Acalma a minha pressa
Me dá sua palavra
Sussurra em meu ouvido
Só o que me interessa.

A lógica do vento
O caos do pensamento
A paz na solidão
A órbita do tempo
A pausa do retrato
A voz da intuição
A curva do universo
A fórmula do acaso
O alcance da promessa
O salto do desejo
O agora e o infinito
Só o que me interessa.
Amo-te!

domingo, 6 de setembro de 2009

sábado, 5 de setembro de 2009

A bailarina não solta pum

Por que bonita, se coxa? por que coxa, se bonita?
(Machado de Assis)
Acho esta frase genial e que me lembra bem o geitinho de acreditar que a beleza é sinômino de felicidade e perfeição, gente só a bailarina não solta pum!
  • "Nossa aquela moça se suicidou, era tão linda!"
  • "Um rapaz lindo, mas não tinha a perna"
  • "Gente aquele cara lindo é gay, que desperdício!"
  • "Não entendo porque tem tanta criança linda abandonada!"
  • "Dá até raiva um rapaz lindo e desperdiçando a vida..."
  • "Solteira? Como assim, você é linda!"
  • "Nem acreditei que era bandido, tão bonito que era"

e assim vai o fado dos feios e seus legitimados sofrimentos. Bonito não sofre e quando acontece é por pura injustiça, claro. Coff Coff.

Ana Laura, me exclamaram a quarta. E eu respondi:Porque não teriamos crianças para serem adotadas! (Fui bem ironica, mas a pessoa não entendeu!)

Momento Aleatório

SÓ FUI ASSISTIR AGORA
O filme O oitavo dia, com a direção de Jaco Von Dormael, lançado em 1996, é realmente estupendo. George tem síndrome de down e resolve fugir do lar, que o abrigava, para encontrar sua mãe. No caminho ele conhece Harry, lunático pelo emprego, separado, desgraçado, longe dos filhos, urucubaca mesmo. Bom, enfim, entre muitas coisas, o que se aprende é o valor da amizade e as diferenças que nos tornam iguais. O que eu gostei foi a singeleza do filme, da abordagem sobre a vida de pessoas com deficiência, como sentem e se relacionam. Adorei a parte que Harry fala para o policial: Ele é meio deficiente.

Fiquei pensando nos eufemismos patéticos da vida contemporânea, tão usados para encobrir nossos constrangimentos com a realidade.

LENDO SOBRE VIOLÊNCIA
O livro Abuso Sexual, pornografia – A infância é a última fronteira da violência da autora Carla Leirner. Excelente para quem adoraaaaaaaaa internet, orkut, msn, sala de bate papo. Ainda temos que repensar eticamente como usamos este meio de comunicação, como estão sendo usados e quem são as vítimas dos crimes na internet. Claro, que o livro trata, principalmente, do perfil brasileiro dos pedófilos e qual o meio mais rápido de encontrarem sua vítima. O site predileto, advinha...o orkut. Pois é, assunto para outro dia.

CONFESSO
Estava lendo um livro romântico... afff....sem comentários e não vou divulgar o nome do livro. Que vergonha jesus, que vergonha...não porque ser romântico, mas o livro é ruim mesmo, isto não nego. Mas confesso que adoro cavalheirismo, homens protetores, que abrem a porta, atenciosos, mandam flores, dizem eu te amo e ainda discutem relacionamento....aí, jesus, será que estou querendo demais?

ÓCIO CRIATIVO
Ultimamente tenho pensado em fazer meu Epitáfio contendo o nome e o motivo de todos que gostaria que Tomassem no Cú! Não é um momento de ódio não, é um momento de libertação, acredito piamente que quando você encontra o balde certo, no momento certo, você deve chutá-lo!

PRECISO DE UM FÍGADO
A ansiedade corroeu o meu. Quero logo a primavera e parem de derreter o mundo e esfriar minha vida! As flores já estão aí, os Ipês derramados no chão, as raízes das minhas orquídeas transbordando nos vasos. CHEGAAAA...quero mesmo é sol e calor!



Ana Laura, lutando contra a rotina, o mofo e o frio

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Preto no Branco - Luis Fernando Verissimo

“Escrevo peças porque escrever diálogos é a única maneira respeitável de você se contradizer.” Tom Stoppard
Um palco vazio. Entram dois homens, um vestido de preto e o outro vestido de branco. Eles representam os dois lados do Autor. Isso a platéia já sabe porque está escrito no programa. Pelo Autor. Ou por um dos lados do Autor, já que o outro era contra. O outro lado do Autor queria que o espectador deduzisse no transcorrer do diálogo que os dois autores representam a mesma pessoa, porque, na sua opinião, dar muitas explicações para a platéia subverte a relação de cumplicidade misturada com hostilidade que deve existir entre palco e público, e nada destrói este clima mais depressa do que o público descobrir que está entendendo tudo. Os dois lados do Autor discutiram muito sobre isto e prevaleceu o lado que queria ser perfeitamente claro, mesmo com o perigo de frustar o público. Palco vazio. Dois homens, representando os dois lados do Autor. Um todo de preto, o outro todo de branco.
Homem de Branco - Preto.
Homem de Preto – Branco.
Branco – Por que não cinza?
Preto – Vem você com essa absurda mania de conciliação. Essa volúpia pelo entendimento. Essa tara pelo meio-termo!
Branco – Senão fosse isso, nós não estaríamos aqui. Foi minha moderação que nos manteve longe de brigas. Foi minha ponderação que nos preservou. Se eu fosse atrás de você...
Preto – Nós teríamos vivido! Pouco, mas com um brilho intenso. Teríamos dito tudo que viesse à cabeça. Distinguido o pão do queijo com audácia. Posto pingos destemidos em todos os “is”. Dado nome completo a todos os bois!
Branco – Em vez disso, fomos civilizados. Isto é, contidos e cordatos.
Preto – E temos tiques nervosos para provar.
Branco – Você preferiria ter dito a piada que magoaria o amigo? A verdade que destruiria o amor? O insulto que nos levaria ao Pronto-Socorro, setor de traumatismo?
Preto – Preferiria. Para poder dizer que não me calei. Para poder dizer “Eu disse!”
Branco – Ainda bem que não é você quem manda em nós.
Preto – Não, é você. Sempre fazemos o que você determina. Ou não fazemos. Não dizemos. Não vivemos! Estou dentro de você, fazendo, dizendo e vivendo só em pensamento. Se ao menos eu pudesse sair aos sábados...
Branco – Para que, para nos matar? Pior, para nos envergonhar?
Preto – Melhor se envergonhar pelo dito e o feito do que pelo não dito e não adiado. Você sabe que cada soco que um homem não dá encurta a sua vida em 17 dias? E cada vez que um homem pensa em sair dançando um bolero e se controla, seu fígado aumenta? E cada...
Branco – Bobagem. Ainda bem que eu sou verdadeiro nós.
Preto – Não, eu sou o verdadeiro você.
Branco – Você só é nós em pensamento. Você é minha abstração.
Preto- Sou tudo o que em nós é autentico e não reprimido. O seja: você é minha falsificação.
Branco – Você não é uma pessoa, é uma impulsão.
Preto – Você não é pessoa, é uma interrupção.
Branco – Mas quem aparece sou eu.
Preto – Então o que estou fazendo neste palco, e ainda por cima de malha justa?
Branco – Você só está aqui como uma velha tradição teatral, o interlocutor. Um artifício cênico, para o Autor não falar sozinho. “Escrever diálogos é a única maneira respeitável de você se contradizer.” Tom Stoppard.
Preto – Quer dizer que eu só entrei em cena para dizer...
Branco – Branco. E eu...
Preto – Preto. Por quê?
Branco – Para mostrar à platéia que todo homem é a soma, ou a mescla, das duas contradições. Que no fim o destino comum de todos, cremados ou não cremados, não é ser branco ou preto, é ser cinza.
Preto – Mostrar a quem?
Branco – A pla... Onde está a platéia?!
Preto – Foram todos embora.
Branco – Será porque não entenderam o diálogo?
Preto – Acho que foi porque entenderam.
Luiz Fernando Verissimo. Preto e Branco. Publicado originalmente no jornal O Estado de São Paulo – Caderno 2, em 25/11/2001.